Oliveira do Hospital, Coimbra
Rituais e Costumes
A paisagem do VALE do Alva fixou uma população que é nitidamente da Beira, da Beira Serra, mas com uma individualidade que a distingue.
A terra de cultura é feita, construída pedaço a pedaço com muros de pedra solta. O agricultor fixou-se por ali com os gados e começou a construir as suas cabanas. O construtor emprega a pedra milheira que arranca debaixo dos pés –O GRANITO, uma pedra nobre cheia de prestígio e com ela constrói e adorna casas.
Deste modo vão surgindo por ali as pitorescas aldeias de Nogueira do Cravo, Santa Ovaia, Aldeia das Dez e no fundo do Vale, São Sebastião da Feira, Avô, Santo António do Alva e Penalva de Alva.
O fator geológico gerou a vocação da gente humilde destas aldeias para a profissão de pedreiro (arguina).
Têm a sua vincada tradição os pedreiros destas povoações, famosos pela sua arte, eram solicitados para outras terras, bem distantes, sobretudo os canteiros de Santa Ovaia – esta a especialidade dos que aparelham a cantaria por certo à parte o lavrar a pedra, picá-la com o pico, rapá-la com o escopro ou cinzel batido pela maceta e poli-la com esmeril. Partiam, às temporadas, para a dura luta do granito, demandando a Serra da Estrela, as suas lagoas, a Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Pinhel, etc. Para correr as pedras para o lugar definitivo delas, e para o esforço simultâneo de todos, cantavam às pedras. Era o arguina mais velho que dirigia o cante conforme lhe inspirava o andamento do trabalho ou a moçoila que passava por ali! E eles lá iam, no trilho árduo duma vida honrada de trabalho, de alcofa ao ombro, onde guardavam as batatas, a broa, o casaco pendendo do outro que carregava o pico e a barra de ferro. Muito havia para dizer da pitoresca linguagem usada pelos arguinas, expressão do poder criador e expressivo da cultura do povo, do espírito corporativo-social, gregário e da solidariedade duma classe laboral escalonada em mestres-de-obras, pedreiros, aprendizes ou serventes, chamados morrões dos arguinas em sua gíria.
Como escreveu o saudoso Dr. Correia das Neves (1), dedicado estudioso dos Verbos dos Arguinas (2), não é fácil explicar em pormenor histórico-lexical a aparição e formação dessa linguagem e a sua génese etimológica é diversa. São essencialmente termos nominativos, adjetivos, umas tantas locuções ou frases próprias.
Chegaram até nós 345 palavras, termos e frases, possivelmente, metade dos termos criados ao longo dos tempos. Muitos são os termos que extravasaram para a linguagem comum.(3)
O município tem vindo a preocupar-se em revitalizar esta herança linguística, promovendo iniciativas no sentido de a ensinar aos mais jovens. Inaugurou, em 2015, a Biblioteca do Arguina, no Ctro. Esc. de Nogueira do Cravo e implementou as AEC (atividades de enriquecimento curricular) destinadas aos alunos do 1ºCEB. Desde o ano letivo 2017-18 que as AEC contemplam a oferta de Oficina do Território, um espaço de exploração e descoberta das tradições, monumentos e marcas culturais concelhias onde os alunos têm a possibilidade de conhecer e aprender os Verbos dos Arguinas.
O Verbo dos Arguinas, com a sua história de séculos, ocupa um lugar muito especial na cultura oliveirense, sendo motivo de orgulho, indo para além das comunidades onde foi criado.
1. O artigo do Dr. Francisco Correia das Neves, Os Verbos dos Arguinas – A Gíria dos Pedreiros da região de Oliveira do Hospital, foi originalmente publicado no jornal Diário de Coimbra em 3-11-1958 e a Emissora Nacional transmitiu-o no programa Voz do Campo, em 16-11-1958.
2. Em 1982, a Biblioteca Pública e Universitária de Hamburgo(Alemanha) interessou-se pelo Verbo dos Arguinas, tendo contactado, por carta dirigida à Livraria Portugal, o Dr. F. Correia das Neves solicitando a sua obra Os Verbos dos Arguinas.
3. Como é exemplo o uso da palavra Estrufêgo.