Setúbal, Setúbal

Artefactos

A pesca e atividades relacionadas têm raízes ancestrais na baía de Setúbale é facto inegável que a cultura e mentalidade das gentes do mar, cujas profissões representaram um estrato significativo da população até à primeira metade do séc XX, são inseparáveis daquilo que é Setúbal. Tendo a pesca em Portugal permanecido rudimentar durante séculos, os pescadores formaram rotinas e costumes de importância singular. Uma das figuras mais tradicionais das profissões do mar era a do descarregador de peixe. Quando chegava um barco ao porto o descarregamento do peixe que enchia o porão fazia-se com a ajuda de pequenos cabazes que os pescadores enchiam com a preciosa carga e atiravam para o cais. O peixe era então estendido em caixas ou cestos que eram depois carregados à cabeça dos descarregadores em cima dos seus grandes chapéus. Estes chapéus eram específicos dos marítimos de Setúbal e mostram o génio e engenho desta comunidade. Tratam-se de chapéus circulares de abas largas feitos de pano de lençol barrado com óleo de fígado de bacalhau, que depois de seco levava nova camada de óleo e de pano. Estas camadas depois de secas formavam uma tela rija, impermeável com que se faziam os chapéus. Depois de feitos os mesmos eram pintados de acordo com a orientação clubística de cada um – daí abundarem os chapéus verdes, cor do Vitória de Setúbal. As largas abas dos chapéus serviam um duplo propósito – protegiam os descarregadores da água salgada, mantendo-os secos e apanhavam o peixe que caía dos cestos. Todo o peixe que ali caísse ficava para o descarregador, que depois fazia dele a sua refeição ou o vendia, às vezes ainda dentro das abas do chapéu. Deste costume vem a forma única de andar dos descarregadores – corriam aos saltinhos. Ao mesmo tempo que o patrão pensava que os descarregadores estavam a esforçar-se por trabalhar de forma rápida, estes saltavam, abanavam a cabeça e mais peixe caía na aba. O traje do descarregador completava-se com calções ou calças arregaçadas de cotim azul presas com uma corda à cintura; as camisas tinham a particularidade de ter nervuras nos bolsos – o seu número variava consoante os anos de namoro. Na cabeça por baixo do chapéu usavam um lenço que os protegia da rudeza do chapéu. Ao contrário do que se poderia pensar esta forma de carregar à cabeça preserva a integridade da coluna vertebral. A coluna estica contra o peso, a bacia mantém-se imóvel mas descontraída e os músculos dorsais procuram em permanência o equilíbrio. As costas dos descarregadores conservavam uma forma surpreendente e uma postura invejável. Os chapéus dos descarregadores constituíam o seu mais precioso instrumento de trabalho e o seu uso ficou de tal forma enraizado que ainda hoje são usados – já não feitos da tela de lençol e óleo de fígado de bacalhau mas de chapa de zinco. São artefacto único dos descarregadores de peixe de Setúbal, sinal da sua capacidade de criação e coragem, símbolo de uma tradição duradoura

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