São Pedro do Sul, Viseu
Músicas e Danças
Em Manhouce as mulheres salvaguardam uma expressão musical a três vozes, em movimento paralelo, legada da sociedade agrária tradicional em que as suas avós viveram. Consideram que este repertório musical é uma parte importante da cultura local e, por isso, ativamente zelam pela sua memória e transmissão, em contextos formais e não formais. Para isso, organizam periodicamente encontros que atraem grupos de cantadeiras de localidades da freguesia dispersas nesta região montanhosa. Nesses encontros o canto a vozes é um importante elemento de coesão social, unindo gerações diferentes e migrantes, ex-migrantes (e os seus familiares, por vezes falantes de outras línguas) e a comunidade residente. Em 2019, num desses encontros, durante a semana cultural de Manhouce, participaram grupos de canto a vozes de várias localidades da freguesia num total de 8 lugares. Nesses grupos participam idosas ao lado das suas netas, manhoucences ao lado de luso-descendentes.
Localmente, chamam a este repertório “cantigas de Manhouce”, ou “modas de Manhouce” e designam cada uma das vozes polifónicas com os seguintes termos: voz de baixo (a que canta a melodia mais grave), raso (a voz que se sobrepõe fazendo intervalos de terceiras paralelas com a voz mais grave) e riba (a voz que faz intervalos de quintas paralelas com a voz de baixo). O repertório é estrófico e as entradas das vozes faz-se sucessivamente, em patamares, pausando sempre na penúltima sílaba do último verso com uma prolongada suspensão, por vez pontuada com apupos. Este modo de cantar a vozes foi destacado na imprensa nacional em 1938 pelo seu arcaísmo e singularidade, ano em que a aldeia foi selecionada para participar no concurso “A aldeia mais portuguesa de Portugal”, e nos anos seguintes foi amplamente amplamente documentado por sucessivos etnógrafos e folcloristas, desde Armando Leça, ou Artur Santos a Michel Giacometti ou Fernando Lopes-Graça.
No século XXI, as tradições musicais rurais ainda têm importância nesta localidade como um elo essencial, tanto nas redes internas quanto externas: é através das tradições musicais rurais, principalmente o canto polifónico, que agentes locais e moradores de Manhouce lutam ativamente pelo espaço público, pelo o espaço relacional de encontro face a face, contrariando a fragmentação das suas vidas individuais impelidas muitas vezes ao isolamento e a periferização da aldeia. É através da exibição deste património que eles atraem turistas para Manhouce e reconhecimento externo de suas tradições musicais rurais. É ainda o elo de ligação aos familiares emigrantes espalhados pelo mundo.
Uma figura chave neste processo de transmissão do conhecimento foi Isabel Silvestre (n. 1941), uma detentora de tradição que aprendeu a cantar em contexto familiar. Foi uma das fundadoras do Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce (GECTM) e do grupo As Vozes de Manhouce. Como membro fundador do GECTM, foi responsável, juntamente com António Lourenço da Silva, pela formação do repertório do grupo. Para isso, contatou inúmeras mulheres detentoras da tradição local, ampliando o repertório, que passou para os demais membros do grupo e, na escola do primeiro ciclo onde lecionava, para os seus alunos. Preparou, assim, gerações de cantores que compõem os grupos locais no século XXI e que ativamente criam uma rede de forças em torno das performances de canto que são centrais para a sustentabilidade da vida social local.
Os últimos registos discográficos do canto polifónico a 3 vozes são as “Geografias do Canto Rural” (2018) e “Renascer” pelo grupo As Vozes de Manhouce (2019).
Ver por favor mais vídeos no seguinte link : https://vimeo.com/manage/304781456/general