Porto de Mós, Leiria

Artefactos

Os muros de pedra seca do concelho de Porto de Mós são mais do que uma obra humana. Revelam, de forma exemplar, a capacidade dos serranos na construção duma paisagem harmoniosa e rica em biodiversidade. Antes de domesticarem a serra agreste, a gente teve primeiro de aprender a viver com a pedra. Como se arruma uma pedra ao alto ou de lado? A terra de cultivo era escassa ou inexistente e semeada de pedregulhos. Em todo lado sobressaia a ossada calcária.

Foi preciso, o poder de sangue, dos homens e dos animais domésticos, libertar a terra removendo as lajes em gerações sucessivas que sabiam, como muitos sabem ainda, por onde parte a rocha quando sobre ela caiem os olhos experimentados dos serranos. Qual a parte de cima ou debaixo da laje? E aos poucos, numa altura em que o tempo não se media com um custo por hora, mas pela capacidade de produzir trabalho que perdurasse muito para além da vida do artesão, foi nascendo a serra como a conhecemos hoje.

Não perdeu o seu caráter bravio: a intervenção humana deu-lhe um cunho particular onde é difícil perceber quando começa o trabalho do Homem ou a infinita paciência e imaginação da natureza. Como arrumar a pedra que sobra de todo o lado: de chapa de cutelo? Erguendo muros e transformado a serra numa imensa filigrana e onde, ainda assim, sobra pedra, encastrar maroiços. No planalto, os muros formam labirintos com caminhos estreitos que deambulam por entre os chousos, onde, a par com o cultivo da oliveira se apascentam vacas.

Como se constrói o muro pedra a pedra? Os chousos defensivos ostentam no coroamento lajes salientes como escamas de gigantesca centopeia para evitar que os lobos saltassem para dentro dos cercados. O portal é um troço de muro mais grosseiro que se faz e se desfaz para entrada ou saída do gado. Como colocar a pedra: para cima para baixo? Nas encostas construíram-se caneiros para aconchegar os tanchões das oliveiras que, vistos de longe, são como vasos numa imensa varanda. Nos vales, os muros alongam-se delimitando línguas de terra que se juntam umas às outras como afluentes de sinuosas linhas de água.

Noutros troços, construíram-se socalcos, imensos degraus que seguram a terra tornada fértil à custa de estrume e suor. Como casar duas pedra tão unidas que não passa a terra, mas escorre a água? Nos vales mais abertos os muros retilíneos são perpendiculares às curvas de nível para assegurar que aquela estreita faixa de cultivo, por vezes apenas com a largura de uma junta de bois, é tão fértil como a que está a seu lado. Uma pedra tem sete camas e a ultima é em cima dos dedos dizem os serranos que, sem pensar que o seu trabalho artesanal iria transformar esta paisagem em permanente construção, vivem neste reino calcário de terra escassa, de pouca água, onde os muros de pedra solta humanizam a paisagem, transformando-a numa imensa obra de arte coletiva.

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