Lisboa, Lisboa
Festas e Feiras
As Festas de Lisboa, existem há vários séculos, tendo-se mantido mais ou menos idênticas, com arraiais que se prolongam pela madrugada, música e dança. Terá sido sempre assim que, na capital, se celebraram os Santos Populares, até quando não havia santos para celebrar. São vários os autores que remetem as origens das Festas de Santo António—ou Festas de Lisboa—a antigos rituais pagãos, que estão relacionados com a comemoração do Solstício de Verão (que calha em finais de junho) ou das colheitas. A verdade é que, independentemente do motivo, as festas de junho sempre tiveram o mesmo objetivo-celebrar o verão e a vida, com vinho e muita música.
Vários arqueólogos e historiadores defendem que as origens estão em ancestrais cultos pagãos, encontrando semelhanças entre alguns atributos e práticas de culto de Santo António e velhos ritos pagãos. Desde tempos remotos que o mês de junho é cenário para festividades coletivas e popularmente vividas por todo o país. Durante estas, relacionadas com o solstício e as colheitas de verão, fazia-se uma grande fogueira, dançava-se e cantava-se, muito à semelhança do que se faz ainda hoje em Lisboa e noutras zonas do país na altura dos Santos Populares. O que é certo é que as Festas de Santo António conseguiram persistir ao longo dos tempos, independentemente do evento que lhes deu origem. Perdem-se no tempo e misturam-se com a história da própria cidade de Lisboa.
Os arraiais espalhados pelos bairros históricos lisboetas, na véspera de 13 de junho, também remontam há alguns séculos atrás. Antes do início das festividades, era costume os lisboetas encontrarem-se junto a chafarizes, cumprindo o velho ritual de lavar o rosto em água fresca. Um desses pontos de encontro era o chafariz da antiga Rua Formosa, atual Rua do Século. O ponto alto da festa acontecia na Praça da Figueira, onde era organizado um grande arraial pelas vendedeiras do antigo mercado. Era aí que, quando a noite já ia longa, se juntavam os foliões de todos os arraiais da cidade, enchendo as ruas até ao Rossio.
Dançava-se, comiam-se sardinhas e bebia-se vinho — muito daquilo que se faz ainda hoje. Acendiam-se grandes fogueiras, queimavam-se alcachofras e deitavam-se as sortes. Esta grande festa desapareceu em finais da década de 1940, quando o velho mercado da Praça da Figueira foi demolido. A festa era tal que William Beckford, escritor inglês do século XVIII, as refere no relato das suas viagens por Portugal. Quando estava em Lisboa na véspera de Santo António de 1787, escreveu que não conseguiu pregar olho durante toda a noite por haver “um rebentar de bombas, um crepitar de fogueiras e um soar de trompas em honra do dia de amanhã” por toda a parte.
É também da autoria do inglês uma das descrições mais antigas dos Tronos de Santo António, pequenos altares que costumavam adornar as janelas e soleiras das portas de Lisboa: “Em todas as casas ao longo da costa de Belém, havia hoje a imagem de Santo António, no seu altar, ornada de flores e de longos pavios de cera”. Os primeiros Tronos de Santo António surgiram no século XVIII como forma de pedir esmolas para a reconstrução da Igreja de Santo António, parcialmente destruída durante o Terramoto. A sua construção tornou-se rapidamente popular, principalmente junto das crianças, que criavam pequenos tronos e colocavam à porta de casa. Durante o dia, costumavam andar pelas ruas a pedir “mil reisinhos” para o santo, um costume que acabaria por se tornar no “tostão ao Santo António”. As marchas, há muito um dos pontos altos das Festas de Lisboa, terão aparecido no século XIX.
Segundo António Miranda, estas surgiram graças à adoção de uma tradição francesa — a marche aux flambeaux, conhecida popularmente como “marcha ao flambó” ou “filambó” –, na qual grupos, que desfilavam em pares, transportavam balões iluminados pendurados em canas. Foi só mais tarde, já em pleno século XX, que surgiram os primeiros concursos, colocando frente a frente os bairros típicos de Lisboa. O primeiro terá acontecido em 1932, por iniciativa particular, para promover o Parque Mayer. Dois anos depois, foram integradas no programa das Festas de Lisboa, organizadas pela autarquia, acabando por se tornar, com o passar dos anos, num dos pontos altos dos festejos da capital.
Os Casamentos de Santo António só surgiram mais tarde, no final da década de 1950, por iniciativa do olisipógrafo Augusto Cortês Pinto. Promovidos pelo Diário Popular e patrocinados pela Câmara Municipal de Lisboa, tinham como principal objetivo possibilitar o casamento aos casais lisboetas com maiores dificuldades financeiras — tal como hoje. O casamento acontecia (e acontece) sempre na manhã de 13 de junho, seguido de um almoço. Entre as numerosas ofertas que os noivos recebiam, contavam-se peças para o enxoval e mobília e eletrodomésticos para a futura casa. O vestido de noiva também era oferecido, e as costureiras de Lisboa costumavam competir pelo mais bonito.
António — ou melhor, Fernando Martins ou de Bulhões — nasceu em Lisboa em 1192, no local onde, mais tarde, foi construída a Igreja de Santo António, junto à Sé. Foi ao pé de casa que iniciou os estudos com os cónegos da Sé de Lisboa, ingressando aos 18 anos como noviço na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no Mosteiro de São Vicente de Fora. Estudou em Coimbra, onde decidiu abandonar a regra de Santo Agostinho e ingressar na Ordem de São Francisco, mudando-se então para o Convento de Santo Atão dos Olivais, onde adotou o nome de António em homenagem ao eremita. Foi nesse ano que partiu para Marrocos para pregar as escrituras e, durante a viagem de regresso a Portugal, que foi desviado para Itália por uma tempestade. Morreu a 13 de junho de 1231, perto de Pádua, onde passou os últimos anos de vida. Apesar de português e, acima de tudo, lisboeta, terá sido só depois da sua morte que o seu culto começou a ganhar adeptos em Portugal.
Com o estabelecimento e crescimento da Ordem de São Francisco no país, nomeadamente em Lisboa, graças ao apoio da nobreza. Um dos mais antigos e nobres devotos do santo terá sido D.Sancho II (1209-1248), O Piedoso. Mas terá sido com D.João I e a Dinastia de Avis que o culto se terá consolidado, principalmente depois da chegada, em 1428, de uma importante relíquia, uma parte do crânio do santo, que o infante D. Pedro, trouxe de Pádua. Contudo, foram os milagres a ele atribuídos que contribuíram decisivamente para a sua popularidade entre os portugueses (e principalmente entre os lisboetas). Estes foram adulterados e moldados em função dos “anseios” a quem a ele rezava, sendo que algumas das características do santo — terão também origem em velhos cultos pagãos, explicando assim a existência de aspetos mais profanos e menos ortodoxos no culto antoniano local. Um exemplo disso é uma das características mais peculiares do santo—a capacidade de ajudar a encontrar objetos perdidos.
Além deste dom, Santo António tem ainda sob a sua alçada os barqueiros, os marinheiros, os náufragos, os viajantes, os velhos, os pobres e oprimidos, as solteiras, as grávidas, as estéreis e os namorados. Protetor de Lisboa, das casas e famílias, advogado das almas do Purgatório, é também a ele que muitos recorrem como intermediário, principalmente para chegar perto de Jesus e da Virgem Maria. É por isso que, desde cedo, os lisboetas começaram a dedicar-lhe as maiores e as mais belas das festas.