Aveiro, Aveiro

Rituais e Costumes

A pratica da Ceia das Almas, de origem celta, em muito se assemelha ao festival celta Samhaim, no qual se comemorava o fim do ano velho ( Verão) e inicio do ano novo ( Inverno). Era realizada na noite de 31 de Outubro para 01 de Novembro.
Acreditava-se que nesta época as almas dos mortos retornavam às suas casas para visitar familiares, buscar o alimento e se aquecerem no fogo da lareira.
Era esta a noite ideal de honrar os que já partiram, pois acreditava-se que o véu que separa os dois mundos era fino. Era tempo de lembrarem com amor aqueles que partiram para o outro mundo, a chamada festa ancestral.
Pela noite, as famílias saiam das suas casas, de noite, deixando tudo o que era luz apagado ( lareiras, lampiões, lanternas…)

Seguiam em procissão, envoltos em agasalhos, pelo escuro para não atrair os espíritos, acompanhados de rezas e cantares às almas.
Acompanhava-os , na procissão, um carro puxado por animais, carregado de junco, lenha, caruma, um porco preparado, um pipo de vinho, castanhas, etc.
Chegando ao local do ajuntamento, penduravam numa armação iluminada com lamparinas os nabos, geralmente dados pelo patriarca.
No centro, juncavam o chão e faziam uma fogueira, símbolo de luz, proteção dos vivos, purificação do espirito.
As cabeças de nabos e de aboboras eram esculpidas, tornando-se temerosas figuras propicias a afastar/assustar espíritos menos bons que vagueiem pela terra durante o banquete que a todos era oferecido. Dizem alguns historiadores que as ditas cabeças simbolizavam as cabeças dos inimigos, que nada mais eram que os serus medos, as angustias , preconceitos, podendo cada um tornar-se um herói.
Rezavam e cantavam às almas por forma a ensinar-lhes o caminho da luz, protegendo desta forma os vivos das almas menos boas.
Na recriação da Ceia das Almas há a preocupação no uso de utensílios e trajes adequados à época. Os homens iam o mais agasalhados e escondidos possível ( normalmente gabões) e as mulheres com xailes à cabeça/costas, lenços amarrados á frente propícios ao Inverno e ao culto .
No local do ajuntamento, continuavam o cantar das almas.
O porco e as castanhas começavam a ser assados e enquanto isso era tempo para contar historias.
Historias do mundo do além, envoltas de superstição e magia. Afinal, nesta noite o mundo material e o mundo dos espíritos/magico juntavam-se com maior facilidade.
Histórias de bruxas, de “blizomens”, de mouras encantadas, de porcas com doze porquinhos que aparecem em encruzilhadas e desaparecem ao amanhecer, de cavaleiros em cavalos brancos aparecidos entre a bruma, de cantadores de cantigas ao desafio com pé de cabra, entre outras. Historias que mereciam e merecem todo o respeito dos presentes, envoltas de magia e superstição.

Muitas praticas adivinhatórias eram associadas ao SHAMAIN, e portanto , a esta noite. Era uma noite na qual as pessoas acreditavam nos sinais, no premonitório, crendo que a noite lhes daria sentenças para o futuro.
Muitos dos jogos que se realizavam reflectiam esta crença, como os que se seguem:
Exemplos de jogos :
Jogo maçãs – Consiste em ser colocado ao centro um balde com maçãs verdes e uma vermelha. As meninas casadoiras tiram ao calha uma maçã. A quem calhar a fruta vermelha significa que se iria casar brevemente.
Figuras na fogueira, onde surgiam figuras no fogo que respondiam às questões que iam sendo colocadas.

Após o momento de comunhão entre todos, da partilha entre os dois mundos, no final da noite , e antes de regressarem a cada uma das suas casa, as pessoas acendiam um brazido e levavam-no para acender o lume nas suas casas. Simbolo da luz comunitária, da partilha, da paz das almas dos familiares que já partiram.
Prossegue-se a esta encenação, onde quem quiser pode levar um brazido para as suas casas.

No final, e enquanto se come o porco e as castanhas, há tempo para o convívio com gaitas de foles e algumas danças, sinonimo de socialização e espirito comunitário.

Esta recriação passou a ser realizada em parceira com a Junta de Freguesia de Cacia, como forma de evidenciar os costumes da nossa terra nesta noite. Noite que em algumas zonas se destaca pelo “pão por Deus”, tradição que em Cacia se desconhece, sendo relevante salientar o seu cariz peculiar e de origens celtas. Na nossa opinião, havendo um fenómeno de globalização face ao Halloween que em nada promove as raízes identitárias do nosso pais, há traços comuns entre o mesmo e a Ceia das Almas, nomeadamente o recurso às aboboras, colocadas em encruzilhadas como forma de afastar os maus espíritos. Concluindo, considerando de enorme importância a preservação da nossa identidade cultural , a recriação da Ceia das Almas, entre outras que fazemos, resulta de recolhas e pesquisas realizadas mantendo a nossa ligação às raízes populares da nossa terra.

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